Decisão TJSC

Processo: 5094361-07.2025.8.24.0000

Recurso: Recurso

Relator:

Órgão julgador:

Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006

Ementa

RECURSO – DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA PARLAMENTAR COM AUMENTO DE DESPESA EM PROJETO DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido cautelar, proposta pelo Prefeito do Município de São Carlos/SC contra o art. 8º, caput, da Lei Complementar Municipal n. 02/2025, alterado por emenda parlamentar que majorou, de R$ 300,00 para R$ 350,00, o valor do vale-alimentação concedido aos servidores municipais. Sustentou-se a inconstitucionalidade formal do dispositivo, em razão de vício de iniciativa e aumento indevido de despesa em projeto de competência privativa do Chefe do Executivo. A Câmara de Vereadores defendeu a validade da emenda, ao argumento de que o vale-alimentação tem natureza indenizatória e não implica despesa com pessoal. II. QUESTÕES EM DISCUSS...

(TJSC; Processo nº 5094361-07.2025.8.24.0000; Recurso: Recurso; Relator: ; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)

Texto completo da decisão

Documento:7081484 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5094361-07.2025.8.24.0000/SC DESPACHO/DECISÃO 1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Luiz Alves para ver declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 2.221/2025, editada pela Câmara de Vereadores após rejeição de veto parcial, por ofensa aos artigos 50, § 2º, II e IV, e 52, I, da CE/89, bem como ao artigo 28, § 1º, II, “a” e “b”, da Lei Orgânica municipal. Como causa de pedir, alega que: (I) a norma impugnada, de iniciativa parlamentar, alterou dispositivos da Lei n.º 2.050/2023 e ampliou as hipóteses de concessão do auxílio-alimentação, ao revogar exclusões previamente estabelecidas e instituir pagamento integral em situações de férias, licenças e afastamentos, produzindo aumento de despesa e modificando o regime jurídico dos servidores do Poder Executivo; (II) tais alterações se inserem na iniciativa legislativa privativa do Chefe do Executivo, razão pela qual a edição da lei pela Câmara configura vício formal insuscetível de convalidação, ainda que houvesse sanção; (III) a ampliação das hipóteses de incidência do benefício implica criação de despesa obrigatória de caráter continuado sem prévia estimativa orçamentária, em afronta às normas de finanças públicas e aos limites constitucionais aplicáveis. Requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia da lei impugnada até o julgamento final e, ao término, a declaração de sua inconstitucionalidade. 2. A concessão de cautelar em ação direta de inconstitucionalidade exige a presença conjunta da plausibilidade jurídica da impugnação e do risco concreto de que a manutenção da norma torne ineficaz a tutela buscada. Em regra, esse exame deve ser realizado pelo colegiado, em respeito à cláusula de reserva de plenário prevista no artigo 97 da CF/88 e reproduzida pela Lei Estadual n.º 12.069/2001. Admite-se, contudo, em situações de urgência qualificada, a mitigação desse procedimento, quando a demora inerente à inclusão em pauta inviabiliza a proteção do parâmetro constitucional invocado (ADI 97-QO, voto do rel. min. Moreira Alves, julgamento em 22-11-1989, Plenário, DJ de 30-3-1990). No caso, a lei impugnada possui eficácia imediata, pois entrou em vigor na data de sua publicação (art. 7º) e alterou diretamente as hipóteses de concessão e o modo de cálculo do auxílio-alimentação, verba paga mensalmente e integrada ao processamento regular da folha. A ampliação das situações em que o benefício é devido — inclusive durante férias, licenças e afastamentos anteriormente excluídos — pode repercutir já no próximo ciclo de pagamento, reduzindo sensivelmente o tempo disponível para submeter o pedido cautelar ao rito ordinário de apreciação pelo Órgão Especial. Trata-se de verba de natureza alimentar, usualmente irrepetível quando percebida de boa-fé, circunstância apta a gerar consolidação fática dos efeitos da lei antes da análise colegiada. Diante desse quadro, tenho que a espécie autoriza a atuação monocrática desta relatoria, pois não seria possível ultimar o procedimento previsto para o exame colegiado da cautelar até a próxima sessão do Órgão Especial. 2.1. Quanto à relevância da fundamentação, em juízo preliminar, vejo-a presente, já que a Lei municipal n.º 2.221/2025 (editada pela Câmara de Vereadores após rejeição de veto parcial) promoveu alterações substanciais na disciplina do auxílio-alimentação concedido aos servidores do Poder Executivo, ao revogar hipóteses de exclusão anteriormente previstas e instituir novos casos de pagamento integral, inclusive durante férias, licenças e afastamentos médicos ou para acompanhamento familiar. Trata-se, portanto, de modificação direta das condições de percepção de vantagem de natureza funcional, com inequívoca repercussão financeira para a Administração. A CE/89, em simetria com o modelo federal, reservou ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa das leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos (art. 50, § 2º, II e IV), vedando ainda o aumento de despesa em projetos de iniciativa privativa do Governador (art. 52, I). Embora tais dispositivos incidam formalmente sobre a esfera estadual, a jurisprudência deste Tribunal tem aplicado seu conteúdo ao âmbito municipal, à luz do princípio da simetria, para delimitar o campo das matérias cuja iniciativa legislativa é atribuída ao Prefeito. O STF, ao interpretar a expressão “regime dos servidores públicos”, firmou compreensão abrangente segundo a qual o termo alcança todas as normas que disciplinam direitos, vantagens pecuniárias, hipóteses de afastamento, férias, licenças e outros elementos que integram a estrutura das relações funcionais (ADI 2442, Tribunal Pleno, DJe 7.3.2019). Essa moldura conceitual abrange, sem dificuldade, a disciplina do auxílio-alimentação e as condições de sua concessão, pois tais regras interferem diretamente na estrutura remuneratória e nos afastamentos funcionais. Não se desconhece que o Legislativo pode apresentar emendas aos projetos de iniciativa privativa do Executivo, desde que preservada a pertinência temática e que não impliquem aumento de despesa, salvo nos casos previstos no artigo 166, §§ 3º e 4º, da CF/88. Essa limitação foi reiteradamente reconhecida tanto pelo STF (ADI 3288, Rel. Min. Ayres Britto) quanto por esta Corte, que admite a atuação do Legislativo em caráter supletivo ou restritivo, mas repele alterações que ampliem o gasto público ou modifiquem o regime funcional sem participação do Executivo (TJSC, ADI 4012606-90.2016.8.24.0000, Rel. Des. Hélio do Valle Pereira). No caso concreto, entretanto, a iniciativa da alteração legislativa não decorreu sequer de emenda apresentada a projeto do Executivo: a própria Câmara deflagrou o processo legislativo e conferiu novo alcance ao auxílio-alimentação, ampliando de forma sensível o universo de situações em que o benefício é devido e gerando, conforme estimativa constante da inicial, impacto anual aproximado de R$ 144.794,05. A ampliação objetiva da despesa (independentemente de se tratar de verba de natureza indenizatória) evidencia, em juízo provisório, mitigação da reserva constitucional de iniciativa, pois a classificação contábil do benefício não elide o fato de que houve criação ou aumento de gasto público em matéria funcional, tema sujeito à iniciativa privativa do Prefeito. É firme o entendimento de que, para fins de controle de constitucionalidade formal, o que importa não é a rubrica orçamentária sob a qual a despesa é inscrita, mas a natureza da interferência legislativa no conjunto de direitos e vantagens dos servidores e na programação financeira da Administração. A elevação do dispêndio, ainda que indireta ou decorrente de alteração de hipóteses de exclusão, constitui aumento de despesa vedado pela Constituição Estadual e pelo modelo federal de repartição de competências. Nesse sentido, registro precedente deste Órgão Julgador: EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA PARLAMENTAR COM AUMENTO DE DESPESA EM PROJETO DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido cautelar, proposta pelo Prefeito do Município de São Carlos/SC contra o art. 8º, caput, da Lei Complementar Municipal n. 02/2025, alterado por emenda parlamentar que majorou, de R$ 300,00 para R$ 350,00, o valor do vale-alimentação concedido aos servidores municipais. Sustentou-se a inconstitucionalidade formal do dispositivo, em razão de vício de iniciativa e aumento indevido de despesa em projeto de competência privativa do Chefe do Executivo. A Câmara de Vereadores defendeu a validade da emenda, ao argumento de que o vale-alimentação tem natureza indenizatória e não implica despesa com pessoal. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. A controvérsia envolve duas questões centrais: (i) saber se a emenda parlamentar que majorou o valor do vale-alimentação afrontou a reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo em matéria de regime jurídico de servidores públicos; (ii) saber se o aumento de despesa promovido pela emenda, ainda que decorrente de verba indenizatória, configura violação ao artigo 52, I, da Constituição Estadual, à luz da simetria com o artigo 63, I, da Constituição Federal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A iniciativa legislativa do Projeto de Lei Complementar n. 02/2025 é de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, conforme previsto nos artigos 50, § 2º, incisos II e IV, e 52, I, da Constituição Estadual, que reproduzem o modelo federal (artigos 61 e 63, I, da CF/88). 4. A emenda aprovada pela Câmara, ao elevar o valor do vale-alimentação, produziu aumento de despesa, ainda que rotulada como verba indenizatória, o que viola a repartição constitucional de competências e a vedação ao aumento de gastos em projetos de iniciativa exclusiva do Executivo. 5. Diante da repercussão financeira da emenda, reconhecida inclusive pela própria Câmara, impõe-se a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo impugnado, por afronta à Constituição Estadual. 6. Com fundamento no artigo 17 da Lei n. 12.069/2001, modulam-se os efeitos da decisão para preservar a segurança jurídica, dispensando-se a devolução dos valores percebidos pelos servidores até a data de publicação do acórdão. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Pedido julgado procedente. Tese de julgamento: 1. É formalmente inconstitucional a emenda parlamentar que majora o valor do vale-alimentação em projeto de lei de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, por implicar aumento de despesa sem a correspondente iniciativa do Executivo. 2. A elevação de verba indenizatória também configura aumento de despesa pública para fins de controle da constitucionalidade formal, independentemente da classificação contábil adotada pela Administração. Dispositivos legais relevantes citados: CF/88, art. 63, I; CE/SC, arts. 50, § 2º, II e IV, e 52, I; Lei estadual n. 12.069/2001, art. 17. Jurisprudência relevante citada: STF, ADI 3288, Rel. Min. Ayres Britto, Pleno; STF, ADI 2442, Pleno, DJe 07.03.2019; TJSC, ADI 9156621-04.2015.8.24.0000, Rel. Des. Ronei Danielli. (TJSC, ADI 5029528-77.2025.8.24.0000, Órgão Especial , minha relatoria, julgado em 06/08/2025) O conjunto desses elementos é suficiente, nesta fase preliminar, para demonstrar a plausibilidade da alegação de que a Lei n.º 2.221/2025 foi editada em matéria sujeita à iniciativa privativa do Chefe do Executivo e implicou ampliação de despesa pública sem a sua participação, em aparente afronta aos artigos 50, § 2º, II e IV, e 52, I, da Constituição Estadual e ao modelo de simetria aplicável ao âmbito municipal. A isso se soma o risco concreto de imediata e contínua produção de efeitos financeiros decorrentes da ampliação das hipóteses de pagamento do auxílio-alimentação, circunstância que recomenda a suspensão provisória da norma impugnada. 3. Ante o exposto, defiro liminarmente a ordem para sustar a aplicação dos efeitos da legislação no ponto em que questionada, sob referendo do colegiado, a ser colhido oportunamente.  Intime-se a Câmara de Vereadores a fim de que preste, no prazo de 30 (trinta) dias, as informações que julgar necessárias. Após, abra-se vista à Procuradoria-Geral de Justiça, no prazo de 15 (quinze) dias, dispensada a participação do Procurador-Geral do Município, já que essa autoridade assina a petição inicial conjuntamente com o Senhor Prefeito Municipal. Intimem-se. assinado por MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7081484v11 e do código CRC a3e22579. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA Data e Hora: 13/11/2025, às 18:06:36     5094361-07.2025.8.24.0000 7081484 .V11 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 15:52:08. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas